“NELSON MACÊDO é, sobretudo, um compositor. Um compositor que já firmou o seu nome entre os mais talentosos já surgidos na música brasileira. É de uma geração que, no Brasil, viu o fracasso do dodecafonismo, assistiu ao florescimento da música aleatória e foi testemunha de sua morte. Por isso, não coleciona nenhum “ismo” em seu curriculum. A sua estética é a estética de quem conviveu com todos esses processos, deglutiu-os e os esqueceu, dando preferência às experiências e vivências pessoais. Vem daí, certamente, o aparecimento em sua produção de várias obras para instrumentos solistas, em que explora com habilidade todas as possibilidades expressivas: é o músico-instrumentista convivendo intimamente com o músico-compositor”. (Airton Barbosa, musicólogo, fagotista fundador do Quinteto Villa-Lobos - RJ/1977)
Nascido a 06 de março de 1931, na cidade de Ruy Barbosa, no centro norte da Bahia, NELSON MACEDO está radicado no Rio de Janeiro desde 1953. Aos 22 anos, já diplomado em violino e com uma premiação no II Salão de Artes Plásticas da Bahia, que lhe garantia uma promissora carreira como escultor, deixou Salvador para se aventurar na então Capital da República, com objetivos muito definidos: estudar composição com o mestre Paulo Silva e aperfeiçoar-se no violino com a Professora Paulina D’Ambrósio. Com a determinação que sempre lhe ressaltou a personalidade, conseguiu, não apenas conquistar os seus dois principais objetivos, como atingiu um lugar de proeminência no cenário musical brasileiro como instrumentista, compositor, regente, professor e importante liderança da classe dos músicos brasileiros.
“Um profissional que sabe escrever música”
(Cesar Guerra-Peixe, compositor)
Em paralelo ao seu envolvimento com a música e a vida musical brasileira, através de um intenso exercício profissional em suas variadas nuances, Nelson Macêdo desde os primeiros exercícios de harmonia, contraponto e fuga com o grande mestre Paulo Silva, sempre se forçou a reservar uma parcela de seu tempo para se dedicar à instintiva compulsão que o arrebatou desde sempre, como força maior, a composição. Até que, ao completar setenta anos de idade, e já consagrado pelo conjunto de sua obra musical e respeitado pela sua atuação no cenário musical brasileiro, optou por aposentar-se de suas funções cotidianas como professor e músico de orquestra sinfônica, para realizar aquela que sempre foi a sua maior aspiração: a dedicação, em tempo integral, à composição. Por essa época, já recebera do compositor e maestro César Guerra Peixe a dedicatória da obra “Roda de Amigos” (levada, sob a regência do Nelson, em primeira audição) e a insígnia: “Nelson Macedo é um profissional que sabe escrever música”.
“Em suas composições pulsa forte a cultura brasileira”
(Valdinha Barbosa, pesquisadora)
Os louros por suas criações Nelson não os obteve através de prêmiações da "Academia", mas pelo valioso reconhecimento entre seus pares, através da execução e/ou gravação de suas obras pelas principais orquestras do Rio de Janeiro e interpretadas por grandes músicos brasileiros, a ressaltar: as “Fantasias” – um conjunto de sete obras para instrumentos solistas e orquestra, dentre outras composições que expressam com muita força a essência das raízes africanas em nossa cultura, muito fortemente encontradas no auto-coral sinfônico “Zumbi-Jaga de Matanga”, para narrador, voz de baixo, coro misto e orquestra, com texto do escritor Nei Lopes ou no duo “Abolição da escravatura”, para violino e bateria. Esbanjando estruturas rítmicas das danças brasileiras no “Trio Brasileiro” para flauta, violão e cavaquinho ou explorando o lirismo da canção brasileira, através das “Cinco Cantigas de Amor” para voz e violão, onde “uma bela convivência com a poesia’ de Manuel Bandeira, Ferreira Gular, Manoel de Barros “num brasilismo que nos envaidece” - como escreveu o cineasta Xavier de Oliveira -, Nelson foi tecendo o seu percurso, retratado através de um catálogo de obras para variadas formações instrumentais, em que as referências aqui relacionadas, servem apenas como uma exemplificação.
“Uma obra das mais originais da moderna criação brasileira”
(Isaac Karabtchevsky, regente)
Em plena maturidade artística, e vivendo um período de grande fertilidade criativa, Nelson já prestes a completar 80 anos e caminhando rumo à sua ancestralidade num mergulho pelo sertão baiano, compôs “Guerra de Canudos”, para coro misto e orquestra - ainda inédita - inspirada no livro “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Antes, porém, tratou de deixar registradas através de gravações, obras inéditas, que privilegiam – também em retorno às suas raízes - dois dos seus instrumentos ainda pouco contemplados em suas composições: no CD “Suite das Origens - Daniel Guedes interpreta Nelson de Macedo” apresenta obras para violino, algumas delas compostas especialmente para esse virtuose do violino brasileiro; e no CD “Lembranças da Serra de Orobó” reúne obras para violão solo ou acompanhado, interpretadas pelo violonista costa-riquenho - radicado em Salvador/Ba - Mario Ulloa, com participações especiais da soprano Adriana Clis e do violoncelista Márcio Malard. Nessas gravações, Nelson vivencia com muita intensidade uma de suas principais características: a amálgama criativa entre o compositor e o intérprete. Essas experiências vivenciadas com a grande maioria de seus intérpretes e, não raro, convertidas em relações de profunda amizade, Nelson as coleciona, como valiosos troféus a coroar-lhe a existência enquanto músico-compositor, pela distinção suprema que elas representam: o reconhecimento entre seus pares. O violinista Daniel Guedes, ao destacar esta característica do Nelson, assim escreveu na apresentação do Cd “Lembranças da Serra de Orobó”:
- “...este disco nos traz uma perfeita conjunção entre o intérprete e o compositor, em uma daquelas raras ocasiões onde o intérprete traduz com toda fidelidade o que o compositor pensou e sentiu ao criar cada música, ao mesmo tempo em que insere sua personalidade em cada som que tira do seu instrumento. Essa combinação, que considero ideal, coloca a música de Nelson Macedo no seu merecido lugar de destaque na música brasileira contemporânea”.
Desejando participar da “festa sonora” ao se referir às obras do Cd interpretado por Daniel Guedes, o saudoso amigo maestro, compositor e multi-instrumentista Paulo Moura assim se expressou:
- “Nada mais sutil e engenhoso do que um baiano branco, ele, encomendar a um paulista negro, eu – uma declaração sobre um batuque erudito. O que dizer? (...) Ouso e deixo por escrito: há um jogo habilidoso, sagaz, quase pirotécnico que o violino de Daniel Guedes ressalta na combinação de ginga, lamentos e dança, dissimulados sob uma atmosfera romântica, percorrendo toda a arquitetura musical destas composições. Pena que tenha sido escrito apenas para um instrumento de cordas. Preferia fosse também para clarineta. Adoraria participar desta festa sonora”.
Enquanto o maestro Isaac Karabtchevsky recomenda:
- “Na ‘Suíte das Origens’, Nelson Macedo se revela por inteiro. Ali está o compositor maduro, consciente dos meios à sua disposição, despojado dos ismos que assolam a músicacontemporânea. Sua linguagem, longe de ser hermética, aproxima-se do coração dos ouvintes, tão simples, tão nobre, provinda de um desejo de dividir emoções e não enclausurá-las numa torre inatingível. Sua ‘Suíte Urbana’ reflete bem essa postura. É comovedora sua ‘Canção para ninar João Victor’, comparável a uma ‘berceuse’ de Brahms, tão pura, tão envolvente. Ouçam a ‘Dança Antropofágica’ da ‘Suíte Indígena” e deixem se envolver pelo clima feérico, construído por harmonias compactas e ritmos dilacerantes. Recomendo a obra de Nelson Macedocomo uma das mais originais da moderna criação brasileira”
Valdinha Barbosa/RJ, outubro de 2013